Por Wanderlei Passarella - Diretor Executivo na Synchron & Celint
Nestes tempos de “pós-verdade” é chegada a hora da retórica se transformar de arte em ciência. A arte é livre; é uma representação de ideias de caráter humano e psicológico. Busca causar impressões e sentimentos. A ciência é comprometida com a verdade; é um estudo que tem um objeto e um método para apurar se as teses são confirmadas pelos experimentos e checagens. Busca entender o Universo por meio da aproximação de seus modelos com o que se observa na prática.
A política se utiliza da arte da retórica. Atualmente, com as amplificações exponenciais das mídias, assistimos a um show de retórica em seu mais perverso sentido. Argumentos desconectados da verdade. Bravatas destinadas a construir estórias e confundir os desavisados. Manipulações da credulidade do alheio.
Mais do que nunca, seria um passo gigantesco se a retórica se transformasse em ciência. Utopia? Talvez. Pessoas públicas, ou que se manifestem em público pelas mídias e por veículos de largo alcance poderiam ter por trás de si uma legislação que coibisse a manipulação da verdade, fazendo com que a retórica se caminhasse para o lado construtivo. Antes de qualquer coisa, quem fala algo que não tem respaldo, que tenta construir versões dos fatos, deveria fazer como o cientista que declara que “tudo indica” ou “parece que”, quando se refere a interpretações não comprovadas. Apenas quando mencionar estudos já demonstrados e respaldados por pesquisas uma figura pública poderia afirmar uma determinada conclusão.
Qual é a consequência para o cientista que falseia sua tese, suas demonstrações e sua metodologia? O ostracismo, o banimento da Academia. A perda total de credibilidade perante a comunidade científica. Ele se torna inabilitado para exercer sua função de cientista. Não deveria ser o mesmo com os políticos ou figuras públicas que se manifestam nas mídias de massa? Se estiverem construindo narrativas apenas, o seu total descrédito por parte da população deveria ser objeto de políticas ou legislações que trouxessem a tona o falseamento da verdade.
Utopias à parte, voltemos nossa atenção ao meio empresarial. Até que ponto a retórica, no seu sentido negativo ainda é utilizada na gestão das empresas. Será que a retórica é um fenômeno restrito a política e às mídias sociais, nestes tempos de “pós-verdade”? A resposta nos parece, infelizmente, que não. Ela está presente no dia a dia empresarial da mesma maneira que se reflete na sociedade como um todo.
Senão vejamos: quem ainda não participou de uma reunião, gerencial, de diretoria ou de conselho em que alguém chega atrasado, nem bem acompanhou o que foi discutido antes, e já começa a falar e a emitir julgamentos, interpretações e decisões? Como que para esconder seu atraso, arruma uma maneira de se colocar no centro das atenções para mostrarque, apesar de tudo, está muito por dentro de tudo e sabe o que fazer. Isso não seria um tipo de retórica?
Ou esta outra situação: estamos no meio de um debate sobre a evolução da empresa e alguém coloca que o time cresceu (o número de pessoas) porque a empresa está lucrando mais. Sim, o faturamento aumentou, mas o EBITDA caiu. A despesa financeira também caiu e, assim, o lucro líquido aumentou. A empresa está crescendo de fato, ou irá se colocar em problemas mais à frente porque a geração operacional de caixa está caindo com vendas feitas, provavelmente, com menor margem? Não é uma forma de retórica justificar aumento de equipe sem checar se o número de processos de trabalho aumentou?
Ou mais ainda esta situação: o gerente pergunta a um membro de sua equipe sobre qual foi o fator de perda na produção do último turno. Este responde que foi de 5%, mas que a menor produtividade foi devida ao absenteísmo. Na área de Pessoas (antigo RH) este gerente verifica que a média de absenteísmo da empresa se mantem inalterada há dois anos. Não é uma retórica (criação de uma narrativa) o que ele falou ao gerente?
O que todas essas situações comuns nas empresas evidenciam é que a arte da argumentação, a famosa retórica, que era uma das sete disciplinas da formação acadêmica nas universidades da idade média (o “trivium” – lógica, gramática e retórica; e o “quadrivium” – aritmética, música, geometria e astronomia), se tornou um mecanismos de convencimento pelo convencimento e não uma capacidade para mostrar os argumentos certos e ajudar na construção de conhecimentos mais profundos sobre a realidade.
Precisamos de mais capacidade abstrata, de visão holística das coisas e de intuição do que ocorrem com os fenômenos naturais, políticos e empresariais. Mas, também precisamos de mais ciência, de capacitação para refletir com palavras o que se observa na prática, nas pesquisas e nas bases de dados. Será que algum dia a retórica sairá do ramo da arte para se tornar uma ciência? Será que vamos nos preocupar em nos aproximar do ideal da nobre verdade, da ética e do comportamento virtuoso? Esses três pontos são bases fundamentais para um desenvolvimento humano sustentável aplicado aos negócios, de forma a permitir a evolução dos mesmos. Torçamos e ajamos para que a resposta seja sim!
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