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O Fator Humano

Atualizado: 8 de mai. de 2020

Por Wanderlei Passarella - Diretor Executivo na Synchron & Celint


SYNCHRON | O fator Humano

É comum, em organizações empresariais intensivas em capital, considerar-se que uma mão de obra treinada e de bom nível escolar é a receita para o sucesso. Mas como, não é? Por trás dessa concepção está uma premissa, às vezes inconsciente, de que o fator humano é tão mecânico e ajustável quanto válvulas e dutos que se conectam a vasos de pressão, caldeiras e reatores!

Por esse viés paradigmático, bastaria buscar pessoas qualificadas, estabelecer certas regras de trabalho, treinar e retreinar, chefiar de perto o que está ocorrendo e tudo fluirá conforme o planejado... Afinal, o maior investimento no ativo fixo é o principal fator de resultados. Nesse pesado investimento estaria a principal força competitiva, segundo esse viés.

Mas, a realidade é diferente. Confundem-se várias coisas: pessoas qualificadas com pessoas motivadas; regras aprisionadoras com disciplina libertadora; e chefia intimidadora com liderança criativa.

Em minha trajetória profissional como executivo em empresas químicas e petroquímicas, constatei que a real compreensão do papel das pessoas em empresas intensivas de capital é um dos principais fatores de sucesso: na estratégia, na execução, na segurança das operações, no esforço extra para encantar o cliente, na capacidade de competir globalmente e em muitos outros pontos.

Infelizmente, o que vi e ainda vejo é considerarem as pessoas como parte do ativo (pessoas não são ativos e nem recursos); há uma distorção conceitual que leva aos erros e desrespeitos citados (qualificação x motivação, regras x disciplina, chefia x liderança). E que, via de regra, torna o negócio menos competitivo, mais difícil ou até inviável.

A combinação de qualificação, regras e chefia (ao invés de motivação, disciplina e liderança) conduz a resultados de curto prazo, às vezes financeiramente interessantes, mas não sustentáveis ao longo do tempo. Essa sustentabilidade, definitivamente, depende de pessoas, em todos os níveis organizacionais, motivadas, competentes, disciplinadas e imbuídas do espírito de trabalho e liderança.

A proposta é que se busquem pessoas qualificadas, sim. Porém a qualificação, per se, é condição necessária, mas não suficiente. Há pessoas muito bem formadas em ótimas escolas, que aperfeiçoaram suas mentes, mas não desenvolveram seus potenciais humanos. Além da qualificação, faz-se necessário um ambiente propício à motivação, para que as nossas capacidades potenciais latentes possam ser utilizadas. E aí está um nó atávico, porque “ninguém motiva ninguém”. Motivação não se consegue por decreto, nem por mecanismos exteriores. Ela vem de dentro dos corações dos profissionais, que se identificam com seu ambiente de trabalho, encontrando ali valores como confiança, relações construtivas, reconhecimento e oportunidades de desenvolvimento.

Padrões de trabalho apoiados em regras é também uma forma de garantir qualidade. As normas ISO e mesmo os conceitos da Gestão por Qualidade Total, tão bem elaborados por Deming e Juran no pós-guerra, são ferramentas poderosíssimas para se trabalhar a constância de propósitos e a garantia de menor índice de rejeitos e de defeitos. Assim, regras são importantes. Por outro lado, elas são cegas. É famosa a expressão “shit-in, shit-out” para designar que um corpo de regras pode cuspir para fora do sistema, de forma organizada e coesa, um bocado de coisas sem valor que entraram sem o menor desfaçamento no sistema e foram processadas resultando em nada. E também podem perpetuar uma vida no trabalho anacrônica e sem sentido. Marcus Buckingham tornou-se famoso ao publicar o livro “Primeiro quebre todas as regras”. Sim, porque regras existem para facilitar o trabalho, mas que, com o tempo, podem se tornar uma barreira. Elas estão do lado de fora tentando governar. Ao invés das regras, o que precisa ser ressaltado é que a verdadeira função da qualidade é a disciplina. Desta, poucos se atém, mas foi largamente preconizada pelos grandes mestres do espírito humano. A disciplina é libertadora e vem de dentro, enquanto as regras podem ser aprisionadoras e vêm de fora. Novamente um nó atávico: a disciplina dos grandes transformadores só se desenvolve se o ambiente valorizar o elemento humano e permitir experiências, erros e acertos, e um trabalho em equipe de boa envergadura!

A questão da chefia é, talvez, a mais complicada de todas. Porque chefes são nomeados, enquanto líderes emergem pelo respeito e legitimidade de sua influência construtiva. Mas, a contratação e a promoção de chefes ocorrem, na maioria das vezes, pela avaliação enviesada das qualificações técnicas e não pelo equilíbrio dinâmico entre competências técnicas e humanas. Contratamos chefes pela sua experiência e curriculum acadêmico, e os demitimos por suas incompetências relacionais e suas atitudes incongruentes! Chefes ilegítimos acabam tendo que se afirmar pelo poder e pela força. Pouquíssima atenção é dada, na maior parte dos casos, à identificação e desenvolvimento das potencialidades de Liderança das posições de comando. E digo aqui Liderança com “L” maiúsculo, aquela que desperta nos homens sua disposição de agir em prol de si e dos outros e permitir que todos possam superar suas limitações. Uma verdadeira liderança olha para a qualidade da equipe e promove o trabalho conjunto; compreende as luzes e sombras dos seres humanos, e os auxiliam em seu caminho de evolução e na busca de resultados amplos. Uma Liderança efetiva é composta por Líderes Integrais ao pé da letra. Eis aqui outro nó atávico!

Assim, em função de tais mal-entendidos e desconhecimentos, as empresas continuam explorando seu potencial humano de forma subotimizada e acreditando no viés paradigmático do investimento nos ativos, como forma única e isolada de obtenção de resultados. É uma pena que, em pleno século XXI, ainda estejamos presos a esse círculo vicioso dos resultados em curto prazo e da formação lenta e gradual, pelas indisposições formadas no ambiente humano, de bolhas de destruição da capacidade de exploração do potencial latente. Em última instância, por conta de tais distorções conceituais, deixa-se de lado a possibilidade de obtenção da sustentabilidade verdadeira (e não aquela de fachada, para ganhar prêmios e maquiar a verdade).

Mas, há como sair dessa falácia. Em primeiro lugar, quando acionistas e dirigentes compreenderem profundamente que uma empresa é um organismo sócio técnico. Nesse sentido, há um componente humano importante e não há como se pensar apenas no vetor técnico-financeiro. Resultado financeiro é uma consequência de um trabalho total bem feito. Se por um lado há riscos no processo empresarial, por outro lado não há como mitigar esses riscos encarando as pessoas como ativos ou recursos. Esse é o caminho para o fracasso em longo prazo. Ao mudar o enfoque e balancear o foco no investimento fixo e no investimento humano a chance de retorno aumenta, provavelmente, melhor do que uma simples poupança (onde há poucos riscos).

Em segundo lugar, permitindo que a disciplina seja cultivada no âmago da organização. James Collins e Jerry Porras, em seu emblemático livro “Feitas para Durar”, preconizaram que o que torna uma empresa longeva é o foco em três dimensões: pensamento disciplinado, processos disciplinados e pessoas disciplinadas. Lembrando novamente que só se consegue que as pessoas se disciplinem se estas assim o desejarem profundamente. Se elas enxergarem no ambiente de trabalho a oportunidade de sua libertação interior pela ação disciplinada que transforma o mundo e, consequentemente, a si mesmas.

E, em terceiro lugar, a promoção da liderança verdadeira. Costumo dizer que os dois maiores acertos, no ambiente empresarial, são a escolha de um bom negócio para investir e a contratação/desenvolvimento de líderes efetivos. Não se trata de somente enviar os líderes para estudarem gestão, finanças, etc. Trata-se de desenvolvê-los em seu potencial de facilitar a eclosão de uma liderança autônoma, homens que atuem juntos em prol de um sentido e significado do trabalho e que busquem amplos resultados. É quando, finalmente, em toda a empresa se percebe uma atmosfera de Liderança Integral!


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