Por Wanderlei Passarella - Diretor Executivo na Synchron & Celint
No decorrer de dias, meses e anos de relacionamentos é natural que ocorram conflitos. Podemos afirmar que fazem parte da caminhada evolutiva de todos nós, e vamos nos deparar com eles inúmeras vezes em nossas vidas, não tendo como escapar.
Uma vez que um conflito ocorra, o melhor a fazer é aceitá-lo e procurar administrá-lo. Resolvê-lo, palavra muito utilizada, é inadequada porque significaria eliminar o conflito, o que só se consegue mudando as pessoas, e as pessoas só mudam quando querem e em função de processos complexos de transformação pessoal. Resolver os conflitos seria o mesmo que eliminar as diferenças, mas são estas que tornam o convívio ao mesmo tempo difícil e atraente e que também potencializam a chance de complementaridade e criatividade entre as pessoas.
O contrário de administrar o conflito é negá-lo ou fazer de conta que não ocorreu. É o clássico “jogar para debaixo do tapete”. A sujeira continua ali, escondida, mas um dia algo ou alguma força levanta o tapete e lá está a sujeira, apodrecida e mal cheirosa... Deixar conflitos sem uma tentativa de serem administrados é o mesmo que ir acumulando sujeiras por debaixo do tapete. Podemos escolher este caminho, em alguns de nossos conflitos, mas a tensão não resolvida poderá retornar de outras formas, inclusive na forma de desequilíbrios psicossomáticos.
A melhor maneira de administrar os conflitos não é por meio de reações violentas, de rompantes raivosos e de enfrentamentos pessoais agressivos. Estas formas podem, ao contrário, ampliar os conflitos e levá-los a um fim desagradável a todos. Às vezes até ocorrem, mas devem ser corrigidas com as desculpas devidas. Afinal, até Jesus teve seus momentos desse tipo, quando expulsou os vendilhões do templo, o fazendo de forma enfática e direta. A melhor forma é através do entendimento das diferenças que jazem atrás dos conflitos para se buscar pontos de convergência.
Pierre Weil, em seu livro “A Arte de Viver a Vida”, deixou claro que os conflitos nascem na mente dos homens, quando percebem os fatos de maneira peculiar e pessoal, fruto de sua imaginação. Isso leva a um círculo vicioso de sentimentos destrutivos provocados por necessidades contrariadas, culminando em ações agressivas. Pierre assevera que é preciso substituir a imaginação por estimativas.
Ao acontecer um evento, a percepção na mente nos leva a “imaginar” o que está por detrás desse evento. Por exemplo, numa reunião de trabalho de gerentes de uma empresa, um deles, o Carlos, prefere não remunerar os supervisores com participação nos lucros naquele ano e começa a defender que isso não seja feito. Outro gerente, o Marcos, que possui uma equipe de supervisores muito unida e eficaz, ao perceber o que o outro fala, imagina que ele defende tal ideia porque tem uma equipe dispersa e desfalcada e, portanto, quer castigar os outros gerentes por um problema que é só dele. Imediatamente, Marcos se sente indignado e age com agressividade para com Carlos, chamando-o de inconsequente. Carlos reage e lembra em público de quando Marcos não atingiu suas metas por ter “feito corpo mole” e, assim sucessivamente, a cadeia de ação e reação se instala e usurpa a capacidade de trabalho em equipe e uma relação conflituosa entre Carlos e Marcos parece fadada a não ser administrável. O rompimento desse círculo vicioso pode se dar se ambos, Carlos e Marcos, compreenderem que a imaginação pode nos levar a esses conflitos aparentemente desastrosos. E, se ao invés de os dois ficarem imaginando coisas um sobre o outro, eles substituírem a “imaginação” pela “ação construtiva”, haverá uma boa chance de entendimento.
No caso do conflito entre Carlos e Marcos, se Marcos ao perceber o que Carlos falou, ao invés de “imaginar” que fosse por que ele tem uma equipe de supervisores menos eficiente, ele tivesse procurado apaziguar a si mesmo, estimando que Carlos assim o fez porque acreditava que a empresa não estava em boa situação financeira (ou porque naquele ano os resultados gerais não estavam bons), então talvez tivesse se sentido diferente e agido de outra forma, mais construtiva, e o conflito não tivesse se instalado. Mas o fato é que houve o conflito. Como administrá-lo?
Se ambos conhecem as peças que nossa imaginação pode nos pregar quando não estimamos as razões por detrás das palavras e eventos, então para administrar o conflito é necessário que ambos voltem a conversar, em particular, sobre as verdadeiras razões de cada um, com abertura e com respeito. E com a compreensão de que as nossas experiências nos levam a encarar a vida de certa forma, mas que pontos em comum são possíveis e que o convívio produtivo do choque de ideias não precisa levar a um choque de egos.
É condição essencial que uma equipe de trabalho conheça as armadilhas da imaginação e que todos entendam a importância do respeito. Com essas precondições a estrutura do diálogo para administração do conflito estará propícia. Resta que se desenvolva a empatia nos membros da equipe, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro. A empatia nasce da compaixão, da compreensão que todos somos feitos da mesma falível matéria, e de um verdadeiro desejo de que todos possam viver felizes e em paz. A empatia é a virtude do “homo sapiens” no seu caminho evolutivo genético, e se expressa no lobo frontal do cérebro com seus neurônios-espelho, como nos mostra a neurociência atualmente.
Com humildade, outra virtude que merece ser desenvolvida em equipes de trabalho, os protagonistas de um conflito podem dialogar para entender que tipo de imaginação os levou a se sentirem tão ofendidos uns com os outros, chegarem a uma estimativa melhor de cada parte e motivar as desculpas mútuas e o reconhecimento de que esses conflitos destrutivos não levam a nada.
Muitas vezes, os conflitos demandam a figura de um mediador para serem administrados e ninguém melhor do que o líder para fazê-lo. Então chegamos ao ponto crucial de nossa administração de conflitos. Verdadeiros líderes são os que mais podem contribuir para essa administração. Em primeiro lugar, sendo o incentivador e divulgador do conceito de imaginação x estimativa. Em segundo lugar, desenvolvendo o respeito, a empatia e a humildade em sua equipe, virtudes necessárias para as boas relações interpessoais. E, finalmente, sendo o mediador para a busca de uma compreensão e convívio quando conflitos importantes se instalarem e cuja administração depende de um elemento catalisador.
Ainda melhor do que administrar conflitos é trabalhar em harmonia. Mas muita confusão ocorre entre ambiente harmônico e ambiente acomodado, sem confrontação de ideias. A falta de confrontação conduz a ambientes estagnados. Portanto, suprimir a confrontação não é um bom caminho em direção à harmonia. A harmonia pressupõe que haja confrontação de ideias e que as diferenças entre as pessoas sejam aceitas, porque elas conduzem a resultados construtivos. Mas a harmonia é atingida quando há paz no ambiente, e não quando há estagnação. Porque o oposto de paz não é guerra, mas sim a inércia, a falta de evolução, como nos mostra a sabedoria do “I Ching”, através de um de seus ideogramas. Atinge-se a paz pelo movimento construtivo, pelas mudanças em direção à nossa plenitude existencial.
Um ambiente harmônico, dessa forma, é um ambiente em que há constante mudança em direção ao estado evolutivo de maior plenitude. Para um grupo, uma equipe, isso implica em que os confrontos de ideias são levados a um bom termo, em direção aos consensos necessários, ou ainda, que se tornam raros os embates de egos pela capacidade do grupo em se relacionar produtivamente.
Assim, trabalhar em harmonia é o antídoto para os conflitos agressivos. É o equivalente a não sujar o ambiente, em contraponto ao limpar a sujeira (administrar o conflito). Para manter um ambiente limpo é muito mais importante não sujar do que limpar (e assim já preconiza a filosofia dos 5S’s, os cinco sentidos japoneses para a administração da qualidade total). Viver em harmonia no ambiente de trabalho com uma equipe depende, fundamentalmente, de se trabalhar a conscientização de seus membros para a necessidade das relações evolutivas e dos pontos que assim as tornam, quais sejam:
Seus membros estão decididos a expressar a verdade com altruísmo e amor. O que importa é que todos tenham abertura para colocarem suas verdades e estas tenham a aceitação para o debate e engrandecimento do grupo.
Não julgamento dos outros e nem condenações. Cada um sabe que o outro tem vícios, virtudes, pontos de colaboração e pontos de idiossincrasias. Portanto, há a compreensão da natureza humana de cada um e o apoio para que cada um se supere em direção à melhor contribuição para o grupo.
Não deixar a mágoa subsistir. Sempre que algum conflito surgir, que ele possa ser administrado pela discussão sincera, utilizando a “estimativa” para buscar razões subjacentes e assim dissolver as tensões e ressentimentos.
Deixar de lado as culpas, cobranças infundadas e pressões descabidas. Não há nada mais destruidor do equilíbrio coletivo do que líderes que fazem cobranças e mais cobranças e ainda colocam enorme pressão nos membros da equipe sem lastro no razoável, buscando culpados e bodes expiatórios. Num verdadeiro grupo, quando as coisas ocorrem de forma certa ou errada, é o grupo que comemora ou aprende em conjunto. No mais das vezes são os sistemas de trabalho que falham, e devem ser aperfeiçoados, ao invés de uma pessoa em particular.
Cultivar a empatia e o espírito de equipe. Num grupo evolutivo, a sua essência ou espírito coletivo aflora quando há verdade e vontade coletiva. É esse espírito que atua invisivelmente para que o trabalho conjunto possa fluir mais e melhor. Esta é a maior consciência possível para viver em harmonia no trabalho de equipe. É a visão produtiva do trabalho em ação.